segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O mundo interior da criança: a relação consigo mesmo

UOL - Como homo sapiens-sapiens o ser humano ganhou a possibilidade da bi-reflexibilidade, isto é, o ser humano pensa e pode refletir sobre o que pensa, ele sabe e sabe que sabe. Tal possibilidade é fundamental para que o homem se desenvolva de maneira íntegra e *resiliente. Adquirimos e desenvolvemos papéis diferentes na sociedade em que vivemos. No âmbito familiar, somos filhos, pais, irmãos, netos, avós, cunhados, genros ou noras, sogros, tios, sobrinhos, primos, muitas vezes somos padrastos ou madrastas e enteados. No âmbito profissional e social, somos chefes, subordinados, colegas, parceiros, companheiros, amigos e às vezes até inimigos. Papel do filho. Adquirimos cada papel na relação com um outro ser da mesma espécie e a maneira pela qual experimentamos nosso primeiro papel, o papel de filho, costuma influenciar o modo pelo qual estabeleceremos os demais papéis no mundo. Decorre assim, a grande importância da função dos pais na relação com seus filhos. Para adquirir e desenvolver todos os papéis que a vida nos dá ou nos impõe, precisamos usar da nossa capacidade de adaptação ao outro. Nesse processo de adaptação aprendemos a ceder e a nos impor na medida do necessário. Entretanto, o ser humano não se define apenas pelos papéis que ele exerce na sociedade. É importante considerar que a pessoa exerce papéis, mas ela não pode ser confundida com os papéis que possui. Ela se relaciona com os outros através dos papéis que adquiriu, mas, simultaneamente, também precisa se relacionar consigo mesmo. É a relação consigo mesmo, o diálogo com o mundo interno, chamado capacidade para a introspecção, que dá consistência, integridade e coerência à existência do ser humano. Assim, nos desenvolvemos adequadamente à medida que nos relacionamos com o mundo externo e o interno, na medida em que somos capazes de realizarmos a mediação entre as exigências das pessoas e das situações do mundo externo e as exigências dos impulsos e dos desejos do nosso mundo interno. É uma pena que muitas pessoas precisam sempre do contato com o outro, para se sentirem existentes. Não conseguem se entreter sozinhas, não têm diálogo consigo mesmas e sofrem com o que nomeiam como solidão. São pessoas que não usam da função da imaginação, da fantasia e não buscam em si mesmas as fontes da criatividade e do desenvolvimento pessoal. Diálogo interno é essencial. Precisamos aprender a “conversar” conosco desde idades muito precoces. O bebê brinca com suas mãos, já nas primeiras semanas de vida. As mãos constituem seu primeiro brinquedo. Passam a explorar o mundo e precisam da ajuda do adulto nessa exploração para aprender o significado de sua ação. Entretanto, o bebê e a criança precisam aprender a brincar, a se entreter também sozinhos para criar um espaço interno, que será recheado pela representação mental da experiência vivida com os outros, pela fantasia, pelo desejo, pelo devaneio e pela criação. Existem pais que, por diferentes razões, não conseguem ensinar seus filhos a ficarem sós. Essa não é uma lição fácil de ser ministrada e nem fácil de ser aprendida, mas sumamente necessária. Existem adultos que têm medo de dizer não a seus filhos, como se isso os fizessem menos queridos e, portanto, se submetem às ordens das crianças, impossibilitando-as de aprenderem a ficar às vezes sozinhas e de encontrarem o seu mundo interior, suas fantasias, etc.. Também existem adultos, que, infelizmente, nunca aprenderam a se relacionar consigo mesmos, que se mantêm na dependência da atenção dos outros o tempo inteiro. Esses não conseguirão ensinar tal necessária lição a seus filhos, pois ninguém pode ensinar o que não sabe. Mas, a esses filhos, felizmente restará sempre a chance de buscar aprender com outros seres humanos, como se relacionar consigo mesmo. (Ceres Araujo: é psicóloga especializada em psicoterapia de crianças e adolescentes) http://www2.uol.com.br/vyaestelar/familia_crianca.htm