segunda-feira, 19 de outubro de 2009

É saudável educar filhos de forma individualizada

UOL - Caim e Abel constituem um primeiro modelo da relação entre irmãos, um modelo trágico. Inveja, ciúmes e fratricídio são os temas dessa história.
É provável que, por existir esse lado escuro na relação arquetípica entre irmãos, os pais se preocupam, desde muito cedo, em favorecer sempre o altruísmo e a amizade entre seus filhos, isto é, o lado luminoso da relação. A intenção é louvável, entretanto, as ações dos pais, nesse sentido, não impedem, necessariamente, o aparecimento das brigas e das rivalidades entre os filhos. Ao contrário, com frequência, o que os pais fazem, reforça os ciúmes e impede o desenvolvimento de uma boa fraternagem. A preocupação já se inicia quando da gestação do segundo filho. Muitas vezes surge a pena do primeiro filho, pois se acredita que ele irá deixar de ser o centro único da atenção da família. Pena, por quê? Na verdade, ele não terá perdas, mas ganhos, dentre eles o privilégio de ter um irmão. Desses dois pressupostos decorrem duas posturas completamente diferentes, com consequências também diferentes.Acreditando-se que a criança terá um privilégio, não se justificam presentes como consolação pela futura “perda”, mas comemoração antecipada pelos ganhos. Um irmão traz a possibilidade do aprendizado da relação de companheirismo, ensina a dividir, a cooperar, a ceder, a fazer trocas, enfim a compartilhar o mundo com as outras pessoas. São de fato, muitos ganhos.
Tratamento igualitário é prejudicial. Pensando que estão a evitar ciúmes, os pais tendem a tratar os filhos de forma igualitária, o que significa presentes para os dois, mesmos limites, mesmo horários etc. Esquecem que eles têm idades diferentes e, portanto, direitos e deveres diferentes. O nivelar as crianças da família, isto é tratá-los da mesma maneira traz ainda problemas decorrentes: o mais velho será infantilizado e o mais novo precocemente forçado a se desenvolver, o que é ruim para ambos. Além disso, tal forma de criar filhos, reforça os ciúmes dos irmãos, pois eles tenderão a disputar tudo e a controlar tudo, para verificar se não estão sendo “prejudicados”. As crianças precisam ser individualizadas dentro da família, cada uma com suas necessidades, desejos, deveres e privilégios. Os mais velhos podem fazer coisas que os menores não podem ainda e que farão quando tiverem a idade adequada. Crescer é ganhar mais responsabilidades, mas também mais direitos. As crianças têm que ter a certeza de que é vantajoso crescer. A família é um sistema dinâmico de relações, onde cada um precisa ter seu lugar bem explicitado. Essa forma individualizada de educar os filhos não irá erradicar as brigas, as crises de ciúme, mas diminuirá a intensidade e a frequência delas.
Pais não podem se colocar no lugar de juízes frente às brigas de seus filhos. Outro aspecto que merece ser lembrado é que os pais não podem se colocar no lugar de juízes frente às brigas de seus filhos. Não cabe aos pais legislar, buscar descobrir quem é o culpado, para puni-lo. Crianças brigam hoje por algo que vai acontecer amanhã. Provocações entre eles constituem um método infalível de chamar a atenção dos pais. Assim, o melhor é não entrar na discussão entre eles. É mais eficaz, se afastar para não dar plateia à briga ou então colocar os dois briguentos de castigo, sem querer saber “quem começou”.No carro, provocações e brigas entre os irmãos são frequentes quando os pais os levam para a escola, para passeios, para viagens, etc. O nível da disputa é, às vezes, tão alto que atrapalha ou torna perigosa a direção. Para as crianças pode ser uma situação ideal para usar das provocações entre eles para chamar a atenção dos pais. Brigam pela posição no carro, disputam para entrar primeiro, encostam um no outro, reclamam do que o outro fala, do que não fala, enfim, tudo se torna motivo para querelas, nas quais o conteúdo pouco importa. Assim, discutir o conteúdo das brigas não resolve. O que funciona pode ser: impor o silêncio, voltar imediatamente para casa no caso de passeios, não levá-los para a escola por uns tempos, terceirizando a função, se possível. Em síntese, a companhia dos pais deve ser sentida como um presente, um privilégio para os filhos e eles precisam ser ensinados a merecê-la. Existe um ditado popular que diz que quanto mais os irmãos brigarem na infância, mais amigos serão na idade adulta. Deve-se acrescentar: desde que os pais não interfiram nas disputas. (Ceres Araujo: É psicóloga especializada em psicoterapia de crianças e adolescentes. Mestre em psicologia clínica pela PUC-SP, Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC e autora de vários livros, entre eles 'Pais que educam - Uma aventura inesquecível' Editora Gente.)
http://www2.uol.com.br/vyaestelar/familia_filho_individualizado.htm

O mundo interior da criança: a relação consigo mesmo

UOL - Como homo sapiens-sapiens o ser humano ganhou a possibilidade da bi-reflexibilidade, isto é, o ser humano pensa e pode refletir sobre o que pensa, ele sabe e sabe que sabe. Tal possibilidade é fundamental para que o homem se desenvolva de maneira íntegra e *resiliente. Adquirimos e desenvolvemos papéis diferentes na sociedade em que vivemos. No âmbito familiar, somos filhos, pais, irmãos, netos, avós, cunhados, genros ou noras, sogros, tios, sobrinhos, primos, muitas vezes somos padrastos ou madrastas e enteados. No âmbito profissional e social, somos chefes, subordinados, colegas, parceiros, companheiros, amigos e às vezes até inimigos. Papel do filho. Adquirimos cada papel na relação com um outro ser da mesma espécie e a maneira pela qual experimentamos nosso primeiro papel, o papel de filho, costuma influenciar o modo pelo qual estabeleceremos os demais papéis no mundo. Decorre assim, a grande importância da função dos pais na relação com seus filhos. Para adquirir e desenvolver todos os papéis que a vida nos dá ou nos impõe, precisamos usar da nossa capacidade de adaptação ao outro. Nesse processo de adaptação aprendemos a ceder e a nos impor na medida do necessário. Entretanto, o ser humano não se define apenas pelos papéis que ele exerce na sociedade. É importante considerar que a pessoa exerce papéis, mas ela não pode ser confundida com os papéis que possui. Ela se relaciona com os outros através dos papéis que adquiriu, mas, simultaneamente, também precisa se relacionar consigo mesmo. É a relação consigo mesmo, o diálogo com o mundo interno, chamado capacidade para a introspecção, que dá consistência, integridade e coerência à existência do ser humano. Assim, nos desenvolvemos adequadamente à medida que nos relacionamos com o mundo externo e o interno, na medida em que somos capazes de realizarmos a mediação entre as exigências das pessoas e das situações do mundo externo e as exigências dos impulsos e dos desejos do nosso mundo interno. É uma pena que muitas pessoas precisam sempre do contato com o outro, para se sentirem existentes. Não conseguem se entreter sozinhas, não têm diálogo consigo mesmas e sofrem com o que nomeiam como solidão. São pessoas que não usam da função da imaginação, da fantasia e não buscam em si mesmas as fontes da criatividade e do desenvolvimento pessoal. Diálogo interno é essencial. Precisamos aprender a “conversar” conosco desde idades muito precoces. O bebê brinca com suas mãos, já nas primeiras semanas de vida. As mãos constituem seu primeiro brinquedo. Passam a explorar o mundo e precisam da ajuda do adulto nessa exploração para aprender o significado de sua ação. Entretanto, o bebê e a criança precisam aprender a brincar, a se entreter também sozinhos para criar um espaço interno, que será recheado pela representação mental da experiência vivida com os outros, pela fantasia, pelo desejo, pelo devaneio e pela criação. Existem pais que, por diferentes razões, não conseguem ensinar seus filhos a ficarem sós. Essa não é uma lição fácil de ser ministrada e nem fácil de ser aprendida, mas sumamente necessária. Existem adultos que têm medo de dizer não a seus filhos, como se isso os fizessem menos queridos e, portanto, se submetem às ordens das crianças, impossibilitando-as de aprenderem a ficar às vezes sozinhas e de encontrarem o seu mundo interior, suas fantasias, etc.. Também existem adultos, que, infelizmente, nunca aprenderam a se relacionar consigo mesmos, que se mantêm na dependência da atenção dos outros o tempo inteiro. Esses não conseguirão ensinar tal necessária lição a seus filhos, pois ninguém pode ensinar o que não sabe. Mas, a esses filhos, felizmente restará sempre a chance de buscar aprender com outros seres humanos, como se relacionar consigo mesmo. (Ceres Araujo: é psicóloga especializada em psicoterapia de crianças e adolescentes) http://www2.uol.com.br/vyaestelar/familia_crianca.htm